Seja em formato de comprimido, ursinho ou até bala de goma, não é de hoje que a melatonina tem sido vendida como uma solução perfeita para pais com filhos que têm dificuldade para pegar no sono. Inclusive, o uso regular de melatonina para ajudar as crianças a dormir tornou-se “extremamente comum”, segundo uma pesquisa publicada na revista científica JAMA Pediatrics. De acordo com o estudo, quase 1 em cada 5 adolescentes (19%) faz uso do suplemento.
E os pequenos não ficam de fora. O levantamento apontou que cerca de 6% das crianças em idade pré-escolar, de 1 a 4 anos, e 18% das crianças do ensino fundamental, entre 5 e 9 anos, estão recebendo melatonina dos pais como um auxílio para dormir, na maioria das vezes na forma de gomas ou comprimidos para mastigar. As descobertas foram baseadas em informações dos pais de 993 crianças com idade entre 1 e 14 anos.
O que é a melatonina?
A melatonina é um hormônio (conhecido como “hormônio do sono”) secretado pelo corpo (mais precisamente pela glândula endócrina pineal, que fica no cérebro), ao anoitecer, que funciona como uma espécie de regulador do relógio biológico e induz à sonolência. Ou seja, a escuridão é um gatilho para a atividade dessa glândula, e, com a luz, ao amanhecer, ela é interrompida.
Já a melatonina exógena é aquela produzida pelos laboratórios, e não é exatamente igual a que produzimos, vale saber. Nos Estados Unidos, a substância é vendida livremente nas farmácias na forma de líquidos, gomas mastigáveis, cápsulas e comprimidos, todos com instruções de dosagem diferentes.
Afinal, pode dar melatonina para crianças e adolescentes?
No Brasil, em outubro de 2021, a Agência Nacional de Vigilância Sanitária (Anvisa) autorizou a venda da substância na forma de suplemento alimentar — assim como já acontece nos Estados Unidos, pela Food and Drug Administration (FDA, na sigla em inglês) —, com a seguinte ressalva: “Os suplementos de melatonina deverão conter advertência de que o produto não deve ser consumido por gestantes, lactantes, crianças e pessoas envolvidas em atividades que requerem atenção constante.”
A Academia Americana de Medicina do Sono (AASM) também emitiu, em 2022, um comunicado em que incentiva os pais a discutirem questões de sono com o pediatra de seus filhos antes de experimentarem a melatonina. Além disso, a instituição diz que só deve ser administrada com orientação médica.
A AASM também orienta que o uso de melatonina pelas crianças deve ser considerado apenas como uma ajuda de curto prazo para estabelecer boas rotinas na hora de dormir ou redefinir os horários de sono após as férias escolares ou férias de verão. O estudo publicado na JAMA Pediatrics, no entanto, mostrou que o uso de melatonina geralmente era regular, com crianças em idade pré-escolar tomando o suplemento por 12 meses, crianças do ensino fundamental por 18 e adolescentes por 21. Foi destacado que existem poucas pesquisas sobre a segurança a longo prazo do uso de melatonina pela população pediátrica.
O maior problema é a falta de regulação. Como a melatonina é vendida como suplemento alimentar, os órgãos de vigilância sanitária não conseguem fiscalizá-la como fazem com medicamentos. "O perigo é que o que você compra no balcão nessas lojas de suplementos nem sempre é o que está escrito. A dosagem pode não ser a que está na embalagem e pode ser que nem seja só melatonina, pode ser que tenham outras substâncias misturadas", explicou o pediatra Gustavo Moreira, pesquisador do Instituto do Sono (SP).
Vale lembrar que, por ser um hormônio, é algo que mexe com o organismo todo da criança, por isso, é preciso ter cuidado. "Não existe um estudo longo que comprove os benefícios e malefícios do uso da melatonina, mas ela pode ter efeito a curto e a longo prazo", afirmou o médico.
Por que a melatonina está se tornando mais comum?
"Tem muito a ver com o mundo moderno. O estresse, a quantidade de tarefas e, principalmente, a exposição aos eletrônicos. TV, tablet, redes sociais do celular, que hoje fazem parte da vida dos adolescentes, tudo isso está fazendo com que o dia fique muito longo. Aí, na hora de dormir, o jovem não 'desliga' e os pais querem uma solução rápida", disse Gustavo Moreira. Ele reforçou que, para pegar no sono, é preciso ter um preparo.
"A grande questão é que o uso da melatonina está mal indicado, ele está sendo usado para suprir a necessidade do estilo de vida da atualidade e o que tem disponível no mercado não tem uma regulação completa", ressaltou.
Quando a melatonina é indicada?
Segudo o especialista do Instituto do Sono, existem situações em que a melatonina pode ser indicada, mas são casos muito pontuais. "Existe o distúrbio do ritmo circadiano, quando a pessoa é mais vespertina, ou seja, dorme muito tarde e acorda muito tarde, o que é um comportamento comum em adolescentes, mas só é considerado um distúrbio em cerca de 4% dos jovens. Na maioria das vezes, isso consegue ser solucionado com mudanças de hábito, apenas cerca de 2% dos adolescentes com este distúrbio vão precisar de melatonina para dormir", esclareceu.
Gustavo Moreira afirma que também é possível que crianças e adolescentes autistas se beneficiem do uso do hormônio para pegar no sono. "O jovem que tem autismo, em geral, pode ter dificuldade para dormir, porque ele é muito sensível aos estímulos. Existem estudos longos com melatonina que mostram que ela pode ajudar jovens autistas a dormirem melhor. Mas claro que não é só o remédio, toda a higiene do sono e a rotina ajudam também", destacou.
O pediatra reforçou que, mesmo nestes casos, o uso da melatonina só está liberado se tiver orientação médica. "Se for indicado por um profissional, ele fará uma prescrição numa farmácia de manipulação, ele não irá recomendar que os pais comprem nessas lojas de suplemento alimentar, porque há muito erro na formulação", enfatizou.
Como ajudar o filho a dormir?
Existem muitas formas de ajudar crianças e jovens a dormirem sem usar melatonina. "O importante é praticar a rotina e a higiene do sono. Não é fácil, ainda mais com adolescentes, pois muitas das recomendações são coisas que os jovens não querem abrir mão. Mas aí que entra a função dos pais. O melhor é fazer essas práticas desde pequeno para que a criança já cresça com esses hábitos", indicou. Veja as dicas de Gustavo Moreira:
Evite alimentos que tenham cafeína (como café e refrigerantes), especialmente perto da hora de dormir;
Tenha horários regulares para dormir e acordar (inclusive aos fins de semana);
Busque criar uma rotina de sono relaxante;
Limite o tempo de uso de aparelhos eletrônicos durante o dia e evite o uso próximo ao horário de ir para a cama.
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