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02/05/2025 às 08:29

Ser antissocial agora é chique! - por Dr. Jales Clemente

Antes, a comunicação adequada era aquela em que uma mensagem era transmitida e o receptor dava uma resposta. Isso foi quando a comunicação ainda era feita, majoritariamente, pela fala oral. A regra social era clara: não responder também tinha um significado. Ficar em silêncio era uma resposta evidente, geralmente de desinteresse ou desvalorização do emissor. Quem calava, consentia?

Embora um charuto possa ser “apenas um charuto”, a comunicação frenética por mensagens de texto tem sido um desafio. Fala-se menos e fala-se mal, quando na verdade a mensagem escrita deveria ser mais clara que a oral.

— Jales, deixe de procurar pêlo em ovo de galinha!

Não sou só eu dizendo. Pense em quantas vezes você se sentiu ignorado, não ouvido, desvalorizado ou descartado numa tentativa de comunicação. Isso não é uma hipótese clínica: é o que tenho ouvido de amigos, pacientes, familiares. E tem também os que reclamam quando você toca em assuntos que eles não querem ouvir. (Eu gosto mais daquele que assume que vai sair do grupo porque ali não é lugar para ele).

Vivemos na era da comunicação instantânea, e também na era da dissimulação planejada. Um dos comportamentos mais curiosos e talvez mais sintomáticos é o de desativar a confirmação de leitura no WhatsApp. A famosa decisão de “ninguém vai saber se eu li ou não” parece inofensiva, mas revela mais do que aparenta.

Por que alguém precisaria esconder que leu uma mensagem? Que medo é esse que se tenta evitar? Em muitos casos, isso não é só uma busca por privacidade, mas uma forma velada de controle. Uma tentativa de administrar meticulosamente a própria imagem, de não se comprometer, de manter o outro em suspensão. Quem vive assim não quer apenas silêncio: quer poder.

Há algo de paranoico nesse comportamento: um receio constante de que qualquer informação possa ser usada contra si. Como se mostrar que visualizou fosse o primeiro passo para ser manipulado, cobrado ou exposto. A resposta emocional é desproporcional ao risco real. Essa desconfiança generalizada, esse medo de ser invadido, essa crença de que todo vínculo pode virar armadilha... tudo isso revela uma mente em estado de alerta constante. E isso, convenhamos, tem nome.

Mas há ainda uma camada mais vaidosa do que paranoica. Algumas pessoas aprenderam com o marketing que ser escasso é ser valioso. Estão aplicando isso às amizades: ignorar é estratégia, sumir é charme, não responder é uma forma de se tornar desejado. Cultiva-se um status pela ausência: "quem me conhece, sabe que sou difícil de alcançar", como se a escassez fosse sinônimo de importância.

Na prática, isso gera uma economia afetiva do mal. A pessoa se esconde, se omite, e depois aparece com discursos místicos sobre energia, cansaço ou seletividade. Se alguém te pressionar a responder, você pode, com toda a liberdade, dizer “não quero falar agora”. Isso é legítimo. Mas fingir que não viu, se fazer de surdo, deixar o outro falando sozinho enquanto você mantém o controle do jogo… isso é covardia. É infantil. É também uma forma de abuso emocional disfarçado de “autocuidado”.

A amizade, o afeto, o respeito, tudo isso se mede na capacidade de se fazer presente. E não há nada de bonito em sumir só para se valorizar.

Aviso final:

Eu sei que você trabalha muito. Que não tem tempo de responder todas as mensagens. Que são muitas, que a vida está corrida. Sei também que você acha que as pessoas estão cada vez mais imediatistas e querem respostas instantâneas. Mas… eu não estou falando disso. Também sei que a resistência em reconhecer certos comportamentos como sintomáticos foi descrita por Freud há muito tempo, e você talvez também esteja passando por isso. Mas o que estou tentando apontar aqui é outro fenômeno: o silêncio absoluto da comunicação. Não é o atraso na resposta. É a escolha deliberada de não responder nunca, de apagar sua presença como uma forma de controle. Esse silêncio é que diz tudo.

Críticas Não Cientificamente Fundamentadas

por Dr. Jales Clemente, Psiquiatra


Comentários


Jales Clemente
05/02/2025

Obrigado por compartilhar meu texto

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