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05/11/2023 às 10:34

Vítimas de Mariana lutam por justiça há 8 anos: “Não são 8 dias”

A tragédia da barragem em Mariana (MG), considerada um dos maiores desastres socioambientais ocorrido nos Brasil, completa, neste domingo (5/11), oito anos. No total, cerca de 1,5 milhão de pessoas foram atingidas direta ou indiretamente pelo mar de lama, sendo que 19 perderam a vida. Atualmente, 700 mil vítimas lutam na Justiça pela reparação integral dos danos sofridos.

“A gente não entende onde está essa Justiça que fala que vai resolver e não resolve. Oito anos não são oito dias, é muito tempo de espera. Esse crime trouxe sofrimento e luta muito grandes. Não fomos preparados para nada do que aconteceu. Nossa comunidade era pequena, mas era alegre. Hoje, ela parece um lugar fantasma”, lamenta a quilombola Vera Lúcia Aleixo, 66 anos, moradora da comunidade ribeirinha de Gesteira, em Barra Longa, Minas Gerais, e vítima do rompimento da barragem de Fundão.

O Movimento dos Atingidos por Barragens (MAB) organizou a campanha intitulada “Revida Mariana”, que tem como objetivo fazer com que o crime não caia no esquecimento. Mais de 100 entidades da sociedade civil, do Espírito Santo, da Bacia do Rio Doce, do Brasil e do mundo fazem parte do manifesto.

“A imensa maioria da sociedade acredita que já foi resolvido o problema, que isso não é mais uma questão central socioambiental do Brasil. Nós estamos falando do que é o maior crime da mineração da história do mundo, um crime ambiental sem precedentes e que destruiu, basicamente, toda a quinta maior bacia hidrográfica do nosso país”, critica Heiter Boza, coordenador nacional do MAB e um dos porta-vozes da campanha Revida Mariana.

De acordo com relatório produzido em fevereiro de 2016 pela Força-Tarefa Barragem do Fundão, com base em dados da Secretaria de Estado de Meio Ambiente e Desenvolvimento Sustentável de Minas Gerais (Semad), que analisou os efeitos e desdobramentos do rompimento da barragem, os danos podem ser divididos em ambiental (qualidade da água, qualidade do solo e perda de biodiversidade), material (economia e infraestrutura) e humanos (saúde pública, segurança, educação, cultura, lazer e social) em escalas microrregionais e macrorregionais.

Danos ambientais

Ainda segundo o levantamento, o rompimento da barragem despejou mais de 50 milhões de metros cúbicos de material tóxico, aproximadamente, 46,3 mil piscinas olímpicas de rejeitos de minério de ferro e sílica, em 41 cidades e três reservas indígenas, em uma área equivalente a mais de 220 campos de futebol, na Mata Atlântica.

Segundo o Instituto Brasileiro do Meio Ambiente e dos Recursos Naturais Renováveis (Ibama), a análise de toda a área atingida pelos rejeitos de minério da barragem mostra que pelo menos 400 espécies da fauna e flora foram impactadas pelo desastre. Entre elas de 64 a 80 espécies de peixes; 28 de anfíbios; de 112 a 248 de aves; e 35 de mamíferos.

Para a mestre em ciência ambiental Maria Cecilia Wey, que atua no vale do Rio Doce — afetado pela lama — , a reversão da situação ambiental deixada pelo rompimento é complicada.

“Tem coisas que nunca serão reconquistadas. O Parque Estadual do Rio Doce, por exemplo, perdeu espécies de fauna que não serão recuperadas. Por outro lado, uma parte das margens do rio, principalmente a parte mais alta, onde a lama desceu inicialmente, foram refeitas. Então, a depender do dano, a gente pode ver algum tipo de recuperação”, explica Maria Cecília.

Rio sagrado

Para alguns indígenas, o Rio Doce é sagrado. Para além da perda da biodiversidade e o impacto dos metais pesados na região, o rompimento da barragem representa perda de ancestralidade.

“O rio foi morto, matou nosso rio, nosso grande rio… Tirou tudo que ele dava para nós, para comer. O sentimento foi… Não tem explicação, né? Quando tira uma coisa de você, que a natureza te deu, quando tira seu direito de liberdade, seu direito de ir e vir, seu direito de lazer, o direito de um povo originário”, desabafa a cacique Mniamá Purí Deuáma de Itueta, do povo Pury, atingido pelo rompimento da barragem.

Um dos caciques Krenak, Maycon Krenak, 23, contou que a tragédia de Mariana “mudou completamente” o modo de vida da comunidade. Entre essas diferenças está o envio de caminhões-pipa com água para os indígenas se banharem, já que o Rio Doce secou e ficou impróprio para esse uso. “A água do caminhão, às vezes, vem suja de ferrugem e faz o corpo pinicar quando a gente toma banho. É uma alergia, uma coceira que incomoda”, reclama.

A falta do rio também fez com que os mais novos perdessem o contato com a água, e algumas crianças, segundo Maycon, aprenderam a nadar em caixas d’água.

“O que eu vejo é que eles querem apagar o povo Krenak de alguma forma do nosso lugar. Nós nos identificamos como, no português, os indígenas do Rio Doce. Quando eles tiram o Rio Doce da gente, querem tirar essa identidade nossa. Mas estamos aqui lutando, somos resilientes e buscamos resistir para existir. Eles não conseguem nos tirar daqui e acabar com a nossa história. O Rio Doce é nosso pai, a nossa mãe, que nos deu de comer por gerações.”

O cacique luta na Justiça, representado pelo escritório de advocacia Pogust Goodhead, para ser compensado pela ruptura da barragem. “Quando a gente busca indenização, a gente busca falar a língua das grandes empresas, do capital. É onde elas sentem alguma dor. Quando for falar de sentimento, essa língua com eles não funciona. O que eles fizeram é irreparável, não tem dinheiro no mundo que pague”, diz.

 

Metrópoles


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